domingo, 9 de fevereiro de 2020

Dez Anos Depois

Eu cresci, como a maioria das pessoas, ouvindo um bocado infinito de barbaridades bem intencionadas: "quem muito se abaixa, o koo lhe aparece", "guria direita não faz isso", "tu te expõe demais". Fora isso, fui simultaneamente a filha mais velha e a "guriazinha da vó". Eu devia ser perfeita. Perfeita e discreta.

Acontece que a "normalidade" pra mim era o equivalente a uma calça 42: me serve, com muito sacrifício. Eu sempre fui esquisita, como uma mistura de filmes da Disney com Tim Burton e uma pitada de ficção cientifica. E eu também nunca fui perfeita [embora tenha gasto metade da vida tentando ser]. Eu sou humana.
Como qualquer tampa que fica sem o pote, eu sobrei o no armário e em um determinado ponto da vida, eu era absolutamente solitária [postagens anteriores mencionam o assunto, aliás]. Não conseguia me conectar com muitas pessoas, porque eu achava que ninguém mais se sentia assim, como se não pertencesse.

Precisei amadurecer [e fazer muita terapia] pra entender que "aquilo que te faz diferente e esquisito é provavelmente sua maior força". Eu sou diferente. Não que todas as pessoas sejam iguais, mas cansei de carregar a minha esquisitice como uma âncora. 

Cresci com meus primos, entre revistas de carros, motos e times de futebol, mas eu não podia me interessar por nenhuma dessas coisas que eu achava bastante curiosas e instigantes, porque afinal, eu era a "guriazinha da vó" e meninas precisam gostar de coisas de meninas, certo? Aos 14 anos eu bebia vinho, lia Augusto dos Anjos e gostava de sortear assuntos aleatórios na enciclopédia Barsa desatualizada que herdei do meu pai. Aos 16 as meninas da minha idade viravam as noites nas festas, mas eu tinha um grupo de RPG, com o qual virava a noite jogando dados e debatendo assuntos diversos. "Casei" aos 18, quando entrei na faculdade e fui casada por quase quatorze anos. Desse casamento surgiu o Michel, hoje com 7 anos, igualmente idiossincrático.
Uma noite, antes de dormir, ele me pergunta assim:

"Mãe, Youtubertal disse que as meninas demoram escolhendo coisas tipo sapatos, porque meninas gostam de sapatos. Todas as meninas?"
"Não. Eu demoro mais escolhendo livros ou comida. Demoro escolhendo sapatos quando não preciso deles, mas normalmente eu sei o que eu preciso comprar, só vou lá e compro. Mas conheço várias que são muito rápidas e conheço homens que demoram muito..."
[Perguntou de onde eu conhecia, se deteve um pouco no assunto, falamos sobre atribuir características as pessoas como "fulana é isso porque é menina"...]
"É verdade, ás vezes tu é muito rápida pras coisas. Mas ás vezes é muito pouco também."
[Eu ri]
"As pessoas não são iguais e eu não sou muito parâmetro pra essas coisas, meu bem. A mãe é um pouco esquisita."
"Tu não é esquisita. Tu é linda. Tu é maravilhosa!"
"Esquisito não é ruim, meu amor. Esquisito só é diferente. Tu também é um pouquinho e eu te amo por isso."
"Eu sei."

Foi a partir dessa conversa, acontecida há poucas semanas que decidi reativar o blog. Entendi que me esconder não é mais uma opção. Eu gosto de quem eu sou. Tenho orgulho da pessoa que me tornei. Amo o contraste da pessoa que lê Sandman, mas sabe cantar Marília Mendonça, cozinha ouvindo brega e arruma a casa escutando Rammstein.

E finalmente entendi que esse é tipo o meu super poder: as pessoas não vão se sentir a vontade comigo, mesmo que eu não seja uma pessoa expansiva, a pesar disso, mas por causa disso - porque eu me sinto a vontade comigo.

Conheci gente sensacional assim, porque elas sabiam que eu era esquisita e se aproximaram, me deixando ver a esquisitice delas. Sabe aquele momento em que a gente olha pra pessoa e fica extremamente feliz por ela ser ela e saber quem a gente é e estar ali, sendo quem ela é? Todo mundo deveria experimentar isso. Eu tenho vários amigos sensacionais com quem eu consigo me sentir assim com frequência, mas isso só acontece porque eles sabem quem eu sou e vice-versa.

Por isso, reativar o blog é importante. Porque ninguém é perfeito, no fundo somos todos esquisitos, diferentes e temos coisas extremamente peculiares. Eu sou tenho várias e deixo bem a mostra. Cansei de sufocar com a vergonha e a ansiedade. E como diria minha musa, Brené Brown: quando a gente compartilha a vergonha, percebe que outras pessoas sentem o mesmo e ela some.




"Faça a sua luz esquisita brilhar forte pra que outros esquisitos saibam onde te encontrar."